sexta-feira, 15 de julho de 2011

MOMENTOS 28


12 de Julho de 2011 ( noite )


Parti novamente movido apenas pelo simples prazer de voar. Planar sempre em direcção ao Oeste, até onde o reino do Butão nos recebe como recebe os bandos de grous. Procuro as histórias que foram trazidas pelos primeiros pássaros de pescoço e cabeça negras, as histórias que o primeiro rapaz-pássaro de pescoço e cabeça negra contou e que aqui cresceram com as histórias dos peregrinos locais até aos dias de hoje.

Deste lado do Mundo, tão perto da influência da montanha-mãe mas tão escondido das rotas percorridas pelos mais aventureiros dos peregrinos, chegamos à terra de todos os silêncios. Esta é a terra escolhida pelo deus tempo para descansar. Permaneceu igual à época das primeiras histórias. Os perfumes lançados pelas lamas de onde todas as coisas foram criadas cheiram-se neste reino.

Antes da criação do tempo houve um mágico pequeno instante que separou o aparecimento da matéria e a sua construção; durante esse mágico instante parte das lamas iniciais foram cristalizadas em silêncios. Após a construção de todas as coisas foram arquivadas neste reino. Estão espalhadas pelos seus incontáveis templos, fornecem-lhes a devida protecção elevando-lhes a nobreza e majestade.

As histórias ensinadas viajam, crescem, transformam-se e transformam quem as procura perpetuar. Nesta aventura que é a da própria vida, nesta aventura em que procuro entender os segredos da vida, continuo sem saber quem sou, não conheci progenitores, parentes, não sei porque sobrevivi, porque recordo as miseráveis lixeiras de Allahabad quando o que mais desejava era apagar esses momentos da memória.

Venci a morte, venci o primeiro de todos os destinos, venci o firmamento, o rio, as neblinas e os desertos, cresci com as preces dos peregrinos, caminhei pelas escarpas geladas que me levaram até à montanha-mãe, até ao planalto de Gomukh que me viu nascer.

Venci o grande rio sagrado em que me transformei deixando para trás o corpo e o seu trilho para enfrentar a ira da montanha-mãe, venci as tempestades ciclónicas, venci a solidão e as distâncias e as sombras.

Todas as vitórias obtidas se devem ao poder incalculável contido na sagrada marca azul que me ofereceste.

Como consegui derrotar a morte nas margens apinhadas de peregrinos do grande rio sagrado em pleno Ardh Kumbh Mela?

Quantas foram as viagens realizadas em tão poucos anos?

Em tão poucos anos, quantas histórias ajudei a criar, quantas ajudei a relembrar?

As vidas estão ligadas como a corrente transparente do grande rio sagrado. Procurarei os parentes do primeiro rapaz-pássaro de pescoço e cabeça negra, procurarei os seus herdeiros e ficarei feliz quando os encontrar.

As palavras que hoje ensinam, as palavras das primeiras histórias, foram por mim nomeadas e ajudadas a perpetuar. Sei como chegaram até ao primeiro dos seus que depois a transportou até que todos os seres vivos carregassem parte importante dessas histórias.

Através das viagens dos oito irmãos se espalharam as palavras por todas as províncias e pelo terceiro desses irmãos as histórias aqui chegaram.

Como aconteceu tudo isto em tão poucos anos?

Quantos anos mais serão necessários para que tudo volte a acontecer?

Neste reino de silêncios que agora visito procurarei mais respostas para esta história.

Acompanha-me, minha princesa do Ganges, o meu coração e o teu são o mesmo. Por aqui esquecerei, por momentos, como dar uso às asas brancas e avançarei caminhando como fazem todos os peregrinos do Mundo.

Este é o momento de seguir a pé nesta viagem.

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