quarta-feira, 13 de julho de 2011

MOMENTOS 24


11 de Julho de 2011

Dos dias em que recordo os momentos, das noites em que sonhei com a primeira história, faço o meu abrigo. Companheiros sempre frágeis da viagem, dias e noites, luz e segredo, nunca faltam à chamada dos deuses, e o tempo usa-os uns atrás de outros, para que as contas sejam possíveis, para que as monções se repitam ano após ano, para que a montanha cresça, os bandos migrem, a verdejante paisagem se revigore esperançosa, as colheitas floresçam em abundância, a vida nasça e a morte aconteça. Tudo voltará ao que já foi, como o rio, como o grande rio sagrado, as chuvas e o oceano, aqui nestas terras escondidas no alto do Kanchenjunga, medito.

Daqui descerei ao grande reino do Butão.

Acompanharei nesse percurso os bandos de grous que desde as planícies tibetanas seguem o mesmo destino. Foram muitas as histórias transportadas até lá. A essência e pureza das pedras que as arquivaram são diferentes nesse reino onde se preservou parte do segredo primeiro. O tempo gosta de se divertir. Prefere ser mais leve no Butão do que em qualquer outro lugar.

Acreditar no olhar, no respirar, no perfume, na viagem e nos segredos que tratará de revelar.

Escuto ao longe as tempestades.

O cansaço abandonou-me e observo o límpido céu estrelado da madrugada.

Reuni uma pequena parcela de estrelas junto à lua como no dia em que a usei para causar um eclipse. Com esse brilho acrescentado a nossa morada ganhou uma dimensão inusitada.

Através das histórias explica-se como se perpetua a vida, como esta se modifica, como tenta apaziguar as dúvidas que os mais novos irão sentir.

Os meus filhos têm medo da morte, tiveram medo da morte, dessa desconhecida, medo do passar do tempo e da dor terrível da separação. Perguntam-me o que se esconde para lá dessa passagem, percebem a rapidez com que acontecem os momentos, uns atrás dos outros, e a única compensação que lhes consigo facultar reside no coração das pedras onde todas as histórias se encontram arquivadas. Nelas está gravada a história que explica os caminhos das diferentes viagens, os seus inícios mas principalmente os seus epílogos.

Esta história foi lida por mim, parte desta história, para ajudar no entendimento do que se esconde para lá dessa passagem.

O momento foi de lembrança.

A pequena mão guardada em segurança na minha escuta com atenção as palavras da história, desta história. O tempo ficaria encerrado numa máquina, numa gigantesca máquina do tempo que o faria recuar até ao momento desejado por cada um de nós, até ao momento do início das dúvidas, até ao momento em que as dúvidas ainda não provocassem dor, ansiedade ou medo. Recuar no tempo até ao momento mais doce da memória, até ao momento em que a mão seja a protegida, até ao momento em que a mão seja a que protege.

A sagrada marca azul permite parar o tempo com sucesso, perpetua as imagens de todas as histórias, como o rio que nasce, como o rio que perpétuo corre até à foz e se transforma em oceano, e de novo em nuvem e em espuma e em monção, e em Gomukh renasce do gelado glaciar.


O que se esconde para lá da morte

desse momento

todos perseguimos o mesmo destino

como o rio sagrado


o tempo gosta de se divertir

nas primeiras histórias nos abrigamos

para entender o que se esconde

para lá dessa passagem

ler esta história


entender como funciona

a sagrada marca azul

que perpetua o tempo

fazer recuar o tempo

até ao momento mais doce da memória

ser a mão protegida

e a que protege.

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