quarta-feira, 13 de julho de 2011

MOMENTOS 25


12 de Julho de 2011 ( manhã )

Mais um dia acorda no alto das montanhas do Mundo. Aqui se vislumbra o seu início antes dos outros lugares. A noite e depois o dia, tal como ontem, tal como antes de ontem, tal como sempre, joguetes do deus do tempo. Mas os dias e as noites e os séculos só avançam porque o planeta dança com o sol rodando sobre si próprio, rodopiando com a energia inesgotável de todos os rapazes-pássaro.

O planeta é como um rapaz-pássaro que faz do seu voar uma constante eterna e faz com a sua dança as vontades ao tempo que sorri ao vê-lo assim rodopiar. O planeta é um pássaro mas o seu passeio é sempre igual, monótono, amarrado ao sol a quem tem de obedecer.

Os pássaros livres que dançam pelos céus perfeitos, os mesmos que beijam a montanha-mãe ao acordar, são capazes de tudo para perpetuar as histórias. Os poderosos e elegantes grous que em bandos ou solitários viajem nestas latitudes, são venerados e respeitados como nenhuma outra espécie. Os sinais que transportam, as asas que elegantemente descrevem linhas rectas e círculos perfeitos pelos céus do Tibete, do Nepal e do Butão, ligaram as histórias todas.

Um dos oito irmãos avançou para Oeste e encontrou estes pássaros extraordinários que o encantaram com as suas danças e cantares. Aproximou-se do bando que, muito territorial, o fez recuar. O chefe desses elegantes grous fez parar o confronto e avançou até ao viajante. Olharam-se com respeito e da dignidade dessa conversa surgiu o pacto que ainda hoje perdura. As histórias e até parte da primeira, todas as histórias que o viajante peregrino transportava foram transmitidas ao pássaro chefe do bando. Nele se depositou a semente e foram ensinadas as mesmas histórias que nasceram nas montanhas, que nasceram nas profundezas dos oceanos, nos lagos e nas lagoas geladas do glaciar de Gomukh.

As histórias que me tinham sido ensinadas pelas pedras e pelos peregrinos que se banharam em mim quando fui o Ganges, as histórias contadas pelas areias mais escaldantes dos desertos que venci, as histórias dos passeios galácticos pelos cometas, pelas estrelas, pela lua e por todas as galáxias que se estendem iluminando o caminho da tua morada e as histórias de todas as vidas de quem já fui. Ensinei estas palavras aos escribas, que foram perpetuadas em sinais, arquivadas para sempre como se os seus suportes fossem o coração das pedras. Esses foram os primeiros de todos os que as perpetuaram. Foram novamente lidas e ensinadas, comunicadas nas profundezas das montanhas onde os medos e os receios acabaram por as fazer viver. Aos oito irmãos foi dada a tarefa de as fazer chegar a todas as províncias conhecidas e desconhecidas.

Este irmão caminhou tendo as montanhas como companheiras, este irmão que os grous acabaram de conhecer.

Hoje, como desde esse dia, as histórias pertencem-lhes tal como pertencem às pedras de Gomukh. Os que os souberem escutar vão aprender com as palavras dessas histórias. Através deles passaram por todos os grous, dos grous aos falcões, às garças, aos faisões, aos gansos, aos patos, a todas as aves até às gaivotas que as ensinaram depois aos peixes e a todas as criaturas dos oceanos, dos rios, dos lagos e mares até que destes outros animais saíram e as comunicaram aos répteis, aos insectos, a todas as espécies invertebradas e vertebradas que fazem parte deste planeta. Todos lhe pertencem, tal como as histórias, todas as histórias, até a primeira.

No dia em que o encontro se deu mudou a forma como homens e animais se viam. O terceiro de oito irmãos peregrinos ensinou aos grous o que tinha para ensinar por todas as províncias que tinha para visitar. A primeira ave a quem as histórias foram reveladas transformou-se no primeiro de todos os rapazes-pássaro de pescoço e cabeça negras. Aos monges que hoje os aguardam, os esperam com respeito e adoração, surgem à memória esses momentos em que o terceiro irmão não viu diferença entre a sua alma e a alma do chefe grou com quem conversou.

Este é o momento de existir.

Do alto de Kanchenjunga relembro este momento.

Homem é como pássaro e pássaro é como homem. A surpresa não existe, só existem as palavras das histórias que se perpetuam no tempo com a sua ajuda, com a minha ajuda, com a ajuda de todos os animais aquáticos, terrestres e os que pelos ares transportam a verdade.

Este é o tempo de meditar.

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