terça-feira, 21 de junho de 2011

MOMENTOS 19


21 de Junho de 2011


Com o crescimento das rochas dou conta que o meu repouso terminou. Consegui entender como crescem as montanhas mais rapidamente do que entendi o meu próprio crescimento. Nelas tenho meditado, como um pedaço de rocha serena, e arrecadei forças para avançar para terras mais longínquas. Não entendi que as histórias que ecoam por todas as paisagens da cordilheira gigante, as histórias que crescem com as rochas, são feitas de dor e sofrimento. Faltavam-me essas palavras. Aqui, no tecto do Mundo, todas essas histórias foram acrescentadas à minha. Eu fui o peregrino a quem a mãe-montanha decidiu poupar a vida para servir de mensageiro. Terei de seguir a estrada branca que veste as montanhas até que o calor volte a abraçar as planícies para onde voarei. Foram muitos os dias de inclemência e tempestade e perdi para sempre os companheiros peregrinos que a montanha derrotou. Não vejo o sal nem os doces néctares que amamentam os regatos. Este foi o ensinamento que bebi de tantas histórias arquivadas no coração das rochas. Tive de vencer os medos, as angústias e a solidão. Tive de ganhar a coragem necessária para continuar a subir até ao topo da montanha onde vim colocar a minha história e onde bebi os ensinamentos de todas as histórias escondidas. Agora estas montanhas fazem parte de mim e eu sou a montanha. Acrescentei-lhe todos os pedaços importantes da minha história enquanto os pássaros me ajudaram a acalmar.

Vieram ter comigo, vieram redescobrir o prazer de voar. Não posso resistir ao chamamento das nuvens e do azul. Descobri qual a sensação vivida por todos os peregrinos que venceram as montanhas e descobri qual a sensação vivida por todos os peregrinos que foram derrotados pelas montanhas.

Crescer!

Terei de crescer, tal como a grande montanha-mãe, através de momentos dolorosos, recordando milhares de histórias e milhares de memórias cansadas, lembranças, medos e segredos que me transformarão e enriquecerão.

Caminho como penitente para resguardar as asas. Descubro as sensações vividas por todos os peregrinos a quem a montanha-mãe venceu. Deixo que os animais me ajudem na descida. Cavalgo nas costas dos iaques por vários dias e aproximo-me cada vez mais da saída nordeste da imensa cordilheira.

Todas as palavras e momentos que carrego serão colocados em manuscritos duradouros que se perpetuarão muito para lá do fim dos tempos. Aos mais esclarecidos ensinarei os preceitos e a razão.

Nas árvores nascerão folhas que depois irão transportar capítulos importantes das histórias. Os solos onde cairão serão férteis, generosos, e as colheitas contentarão todos aqueles que delas se alimentarem trazendo-lhes prosperidade e sabedoria. No que irá ser acrescentado a esta história se fará notar essa evidência.

Nas moradas construídas próximas das montanhas, dentro dos próprios gomos das montanhas, habitam estas pessoas que desconheço mas que já vi.

Pelo sonho se agitam as montanhas que sentem como nós, como todos nós, porque são nós.

Receberam-me com surpresa, com a admiração de quem nunca vira um rapaz-pássaro. Os segredos começaram por mim a ser desvendados, são dados a conhecer às crianças pois são sempre elas que chegam primeiro aos peregrinos. Estas são as crianças que sempre moraram comigo, defronte de mim como nos meus sonhos. Acompanharam-me desde Allahabad, desde que me transformei no rio, no firmamento, desde que rejeitei essa condição.

Sou criança como as que cá moram, como as que sempre cá moraram. São elas que vencem, antes de todos, os medos e os receios. São elas as primeiras a me virem receber. Agora sou eu, somos um só neste abraço. Somos como uma nova história feita de alegria. No alto das mais altas montanhas, ao meditar, deixei por momentos de sentir, deixei de sentir este corpo azul emplumado para passar a escutar os sons melodiosos do próprio crescimento.

Quando as janelas se abrem, há felicidade sempre, pois as crianças vivem como as flores. Nesta povoação escondida, escavada nas entranhas da própria montanha, perdida nos penhascos escarpados que convergem para o sinuoso leito de um rio esquecido, o tempo parou. Só voando se alcançam estas paragens escondidas de todos, do rio, do próprio sol. Viradas para norte fogem da luz da manhã e acompanham as sombras que as protegem. Os únicos pássaros iluminados são as crianças que voaram através dos seus sorrisos para me virem conhecer.

Vou-lhes transmitir todas as histórias, todas, até parte da primeira, até as que de forma dolorosa provocam o crescimento de todas as montanhas, principalmente as que de forma dolorosa provocaram o crescimento contínuo das montanhas.

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