sábado, 11 de junho de 2011

MOMENTOS 14


9 de Junho de 2011


O planeta azul e verde rodopia alegremente.

Pintar riscas e salpicos em todos os planetas de todos os sistemas.

O Cosmos não sabe que misturaram materiais coloridos que foram esmagados e desintegrados até se transformarem nas novas superfícies que depois darão forma aos planetas.

Sem o poder da luz não existe cor e o Cosmos perderia metade da beleza.

As pedras da lagoa de Gomukh tornaram possível visitar as fábricas do Universo. Escondem-se para lá de todas as estrelas. Voaram directas por sobre a água e por sobre o imenso nada, por cima do grande vazio que mantém a espinha dorsal da estrutura. O tempo voa através de túneis invisíveis que nos transportam rapidamente para os mais longínquos recantos do Universo. Rochas estranhas e gigantescas vagueiam sem rumo aparente no imenso nada. As pedras da lagoa de Gomukh abrandam ao passar por elas como se não as desejassem incomodar. Passámos por baixo dos imensos rochedos voadores, por estas esculturas de luzes cinzentas e esverdeadas com ligações luminosas pelo vazio que as separa. Comunicam com o Cosmos através dessas estradas misteriosas que aqui povoam a paisagem esquecida.

Duram anos e anos até voltarem a ganhar a força e energia anterior. Utilizam animais luminosos que reclamaram a um gigantesco buraco negro que atravessou mais de meia dúzia de páginas da história. Esses estranhos animais luminosos envolvem as pedras voadoras de Gomukh que viajam agora a incompreensível velocidade. Depois de terem abrandado para respeitosamente atravessarmos esta remota localização do Universo, eis que a viagem segue o rumo inicial com a mesma velocidade.

Rodopiamos num ritmo frenético e penso, e observo e medito.

Uma luz esverdeada sobe das pedras voadoras até às minhas pernas cruzadas e abraça-me os músculos, os joelhos, a cintura, o ventre, o peito, os ombros e os braços. A cabeça ficou livre desta luminosa aparência.

Os universos rodopiam à nossa volta como continentes perdidos. São aqui fabricados. Este é o lugar remoto, camuflado, onde a princesa menina do Ganges habita. É aqui que se entretém com o seu passatempo predilecto. Aqui vai continuamente agitando o seu dedo, girando e girando vezes e vezes e vezes sem conta. Todos os universos nascem na palma da sua mão esquerda, uns atrás de outros, criados com esse sorriso juvenil desenhado no seu rosto. Viu-me passar cavalgando nas pedras da lagoa de Gomukh mas desta vez não me apontou a direcção da lua.

- Estás livre. Essa luz que te envolve irá pertencer-te até ao resto desta tua vida. Sabes onde moro e podes visitar-me sempre que desejares. É aqui que brinco, me entretenho e construo. Sabes que a minha amizade por ti será eterna. Sabes que os medos ajudam, tal como as dúvidas, as ansiedades, os pesadelos e os sonhos. A tua viagem, esta história, tem tudo para resultar. Em momentos preciosos e importantes ser-te-ão comunicadas as evidências. Vais perceber o que se encontra escondido nas mensagens. Vais ficar aflito, com falta de ar, vais olhar para o tempo com respeito, vais esquecer e depois vais recordar, vais voar pelos ares e oceanos selvagens tal e qual pretendes, vais ser esse rapaz-pássaro que trazes escondido em ti, vais encontrar-me e descobrir a minha amizade, vais carregar perpetuamente a solidão, vais tentar vencê-la, vais recuar para puderes avançar, vais esquecer que foste um rio, vais perder e vais ganhar, vais encontrar as tuas asas que foram capturadas e guardadas por ordem da montanha-mãe, vais salvar-te, vais deslindar a duração da história, desta viagem, vais voltar aqui, ou talvez não, vais voltar a ver-me e a precisar da minha ajuda, vais transformar-te nas pedras que guardam todas as histórias, até a primeira, vais ser o mar salgado, a luz e a escuridão, vais ser tentado, vais cair e vais ser capaz de recomeçar, vais entender tudo num instante, num ínfimo momento sagrado e depois tudo irá recomeçar.

Julgava que era aqui que todas as músicas nasciam, junto aos universos que saltam rodopiantes da palma da mão da menina princesa. Apaguei esta memória. Tem de ser. Aqui o que importa é o momento, apenas o momento em que se carrega a esperança. A viagem vai recomeçar com o mesmo ritmo do início. Atravesso o mesmo deserto cor de fogo que quase me venceu. Não entendi a dimensão do desafio e quase lhe sucumbi. Estou seco, desorientado, esfomeado e cansado como nunca. As pedras de Gomukh protegeram-me o corpo com esta película luminosa mas deixaram-me o rosto desprotegido. Ao avançar por sobre este deserto vermelho construído com as poeiras e grãos de todos os universos que aconteceram, os mesmos que me ferem os olhos, as narinas, as orelhas e o longo cabelo baço e quebradiço, observo, escuto e medito.

- Sou agora o que pretendo! Fugi da solidão poderosa contida em todas as gotas do rio sagrado em que me transformei. Recebo desta forma o castigo que a Mãe Natureza providenciou. Todas as células e todas as memórias e todos os momentos me foram retirados neste troço amargo da viagem. Decidi ir atrás do que não podia. Decidi enfrentar os poderosos. Sentei-me no céu, fui o céu e as estrelas.

Amo a menina princesa do Ganges, amo-a demasiado e o coração canta e salta e vibra para sempre com esta luminosa evidência, até que as estrelas caiam do firmamento, até que a lua seja em definitivo a nossa morada, até que o início desta nova etapa, desta nova memória, deste novo momento possa regressar.

Amo todas as células que o deserto vermelho me roubou. Sou um viajante sem cabeça. Transformou-se em todas as rochas e em todos os cometas que nos acompanham desde o fundo da lagoa. Quando o resto do meu corpo protegido chegar ao vale das asas escondidas, ficará de novo completo. Regressarei ao presente e o momento não será demasiado doloroso. As rochas e cometas cairão dos céus e renascerei um só, um todo rejuvenescido que aguarda as mensagens contidas nas pedras de Gomukh. Dir-me-ão onde se encontram guardadas todas as asas, até as minhas. Dir-me-ão quem foram todos os anteriores rapazes pássaro que assim viajaram, dir-me-ão quem sou e quem serei, dir-me-ão quem são todas as princesas e dir-me-ão qual o exacto momento de voar.

Guardarei uma única destas pedras preciosas viajantes da lagoa de Gomukh como recordação. Uma memória deste renascimento, uma memória que também será acrescentada nessa pedra ajudando-a a crescer.

Amo a menina princesa do Ganges e já sei o lugar onde habita. Tenho a vida inteira para a visitar.


Aqui está ela

Luminosa evidência

Conheço a viagem

As rochas

Os cometas


Escondida para lá da espinha dorsal do Universo

Para lá de todas as estrelas

Para lá do tempo

E dos túneis invisíveis


Atravessando respeitosamente

O cinturão galáctico

Das rochas luminosas

Indo para além

Do buraco negro destruidor

Envolvido em luminosas esverdeadas criaturas


Rodopiei até este lugar remoto

Camuflado

Onde tu habitas

Meu amor

Minha menina princesa do Ganges

E tenho a vida toda

Para te visitar

.

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