segunda-feira, 20 de junho de 2011

MOMENTOS 18


19 de Junho de 2011


Apanhar os animais que se deslocam em bandos e em pequenas manadas, ser nómada, avançar seguro perante as intempéries. A decisão de continuar até que as cem montanhas sejam visitadas, sem caminhar, só através de voos peregrinos saltando de cume em cume. O descanso é feito durante a noite, quando as montanhas meditam. Houve quem desistisse, quem o tivesse feito antes de atingir o objectivo inicial. Trazer até estes cumes a história que teriam de ofertar.

Apanham todas as pedras, a chuva cai misturada com neve, as pedras caem, as histórias tombam, os peregrinos voltam atrás para resgatá-las, a chuva não pára de cair com a força de mil Monções, os peregrinos são derrotados pela força das águas, as baladas que se escutam tentam restabelecer o ânimo para novas tentativas. O prémio para a jornada só se obtém quando depositarem a história no topo da montanha e receberem a dádiva do dever cumprido. Descerão rejuvenescidos, serão outros pois avançarão até a base da montanha transformados e enriquecidos.

Escolhem, optam os peregrinos pela montanha que desejam alcançar. No topo da alta e majestosa senhora escondem-se milhares de histórias, tantas quantos os segredos, os medos e as lembranças de memórias cansadas que as fizeram assim crescer.

A música que se escuta é a do vento, da chuva das Monções, da intensa e forte tempestade, dos relâmpagos que acompanham as luzes que rasgam os céus como troncos iluminados. As avalanchas derrotam mais peregrinos. As rochas não lhes facultam protecção e muitas histórias ficam para sempre perdidas nestas lutas desiguais. Foi esta a recepção preparada e as vidas ceifadas aumentam, como as mágoas esquecidas, o tamanho das alvas esculturas. A água respira, transforma as encostas, faz crescer os glaciares e as escarpas escorregadias, desce com as neves eternas que cedem ao seu próprio peso e descarregam a fúria arrastando peregrinos, arrastando bandos e manadas e os nómadas.

Viajantes derrotados, partiram para uma viagem diferente da que vieram procurar. Os movimentos da mãe-montanha foram aumentados milhares de vezes pelo imenso poder das Monções, pelo trovejar dos relâmpagos e pelo destruidor avanço das avalanches.

Este é o momento de meditar.

Faltava percorrer este caminho. O caminho da derrota, da surpresa, da dor, do sofrimento. A montanha desejou apoiar estes ensinamentos cruéis. Esta é uma história de tristeza como tantas que se encontram perpetuadas no topo de todas as mães brancas.

Aqui respiro após a noite ter vencido as tempestades. As tempestades venceram os peregrinos e estes derrotaram a solidão. As histórias trágicas fazem parte da montanha e serão guardadas no coração das pedras. Atravessarão todas as montanhas, serão transportadas pelos ventos e até a lua respirará parte desse ensinamento para iluminar os picos mais distantes com as palavras que as ajudaram a crescer. Um peregrino não foi derrotado neste dia. O castigo da mãe-montanha foi ter-lhe poupado a vida para que perpetuasse esta história pelos outros peregrinos da sua província. Quando descer com a derrota transformada em palavras cumprirá com a missão que a mãe-montanha lhe conferiu nesta jornada.

- Não temas a noite, a morte e a solidão. A existência perpetua-se para lá das evidências. Os laços que te uniam aos outros peregrinos que acabaram vencidos são o que te farão ligar à vida. Como todos os peregrinos do Mundo vais aprender a escutar o teu próprio crescimento!

Acordei! Este sonho mau não é digno do pequeno rapaz-pássaro peregrino em que me transformei. Não viajo por estas montanhas para lhes acrescentar histórias cinzentas e desse modo as fazer crescer.

Medito!

Os medos, as angústias, o peso alucinante que foi acrescentado pelo passar dos anos e dos séculos não justifica as imagens de sofrimento que nesta montanha alimentam o meu sonho. Este é o momento de adormecer. Mergulhar novamente para limpar o pesadelo da destruição, mesmo que as palavras da menina princesa do Ganges tivessem tranquilizado o único vencedor do cataclismo.

Escuta! Pára antes que o efeito da luz da lua deixe de estar presente. Se a montanha-mãe assim decidiu não o fez só por capricho. O Universo existia antes e assim permanecerá para lá das mortes dos peregrinos. Não te parece absurda essa forma de escutar? Não é um pesadelo a história que te foi contada no cume desta montanha. Neste momento sentes dificuldade em falar, em pensar, porque a justiça reuniu esforços suficientes para perpetuar a história de um dos peregrinos viajantes. Regressa ao teu sonho, regressa e descansa. A história que a montanha contou foi trágica e não estavas preparado. Depois de tantos dias de viagem, tantos cumes visitados, tantas peregrinações atravessando as mais geladas e inóspitas cordilheiras do planeta, este é o momento de descansar.


Respiro

O ar que respiro é rarefeito

Os peregrinos enfrentam a Monção

Enfrentam uma intensa tempestade


São derrotados

Partiram para uma viagem diferente

Da que vieram procurar


Faltava percorrer este caminho

Esta história de tristeza

Que como tantas outras

Fizeram crescer a cordilheira


Guardada no coração das pedras

A história atravessará as montanhas

Transportada pelos ventos

Respirada pela lua

Ajudará os picos mais distantes a crescer


Não temas a noite

A morte

A solidão


A existência perpetua-se para lá destas evidências

Este é o momento de descansar.

.

Sem comentários:

Enviar um comentário