3 de Maio de 2011
Seguir a montanha dispersa, o coração, as pétalas, os sonhos e os originais das ilusões. Avança o rapaz-pássaro no escuro seleccionado por quem de direito. Durará a viagem o tempo necessário, o tempo outrora recolhido, armazenado. Pede perdão o menino-voador por pretender gastar sem rumo e sem limite, sem organização. O olhar, naquele instante, não se preocupa em vislumbrar paisagens, receber a humidade dos flocos de nuvens que lhe indicam o caminho por entre a escuridão. Voar livremente na escondida e resguardada minúcia. Saltitou suspenso na vontade de fugir, discordando da realidade fria, cortante. Enraivecido com as margens, com as marés que lhe cortaram da vida o próprio tronco e o largaram perdido para a existência. O pedido lançado com ansiedade tornou-o quase imortal. As recordações não se podem manter por mais de duas luas, por mais de dois silêncios e a ligação será concluída pelos impérios das monções, das marés e dos segredos.
A actividade formalizada pela orientação e segurança dos voos deslumbrantes não respondem por todos os voos do rapaz-pássaro. Suportar as dores e as maleitas da alma é dos mais delicados sinais perdidos, é uma esperança derretida.
A jornada é acerca da vida, da luta, grande parte dela passada em busca do rumo certo sem mais nada a toldar esse horizonte. Afectado pelas mais negras imagens, essa meta existe na cabeça do rapaz-pássaro. Tenta rodear o desafio que claramente o perturba. Deseja caminhar novamente mas os pés, as pernas e os joelhos continuam feridos e impedem-no de alcançar o chão e atingir essa mudança. As portas permanecem fechadas, o céu e as estrelas bem longe e o rio sagrado a única forma de esperança que consegue vislumbrar. O ar está pesado. De asas abertas, deixa que o corpo voe até onde o segredo habita, lá longe, afastado, junto ao mais puro coração das estrelas. Sente dor e é-lhe impossível festejar o presente. Nem as asas, nem este poder inimaginável de quem deseja derrotar o passado, de quem quer apagar o passado, começar tudo de novo, não interessa o quê desde que possa ser diferente, encontrar o melhor de nós, o melhor dos outros, saborear a doçura escondida de todos os momentos, de todos os momentos sem excepção, sem ansiedade, sem olhar para trás, só para lá da força, das montanhas, do imenso rio, da linha que define todos os horizontes. Depressa que dói, dói manter este ritmo tranquilo depois de tanta loucura, todo o dia, todo o ano, toda uma vida ainda tão jovem, ainda tão adulta antes de tempo. Aqui está ele, mais alto do que todos os rapazes-pássaro do universo, centrado, focado num objectivo e nada nem ninguém se atreverá a barrar-lhe o caminho.
Desfazer-se do peso, do lastro que impede a subida do monte, do primeiro, do segundo, do terceiro e que ameaça impedi-lo de fazer.
Ao longo deste voo o peso é derretido lentamente. Outro pedaço é atirado para o mais longe possível. As pedras que se colaram à lembrança são quebradas, são removidas, são transformadas em emoção.
Porque se repetem os momentos? Porque se repetem os voos dos pássaros, das garças, como se fossemos também nós subir aos céus carregados de bandos. Pensar por breves momentos que podemos mudar quem somos através do que escolhemos como se tal fosse possível. Aparentar o que sabemos. Olhar para a escuridão, para a noite das nuvens cansadas e fazer delas aliadas. Fazer brilhar o escuro, revolucionar a marca azul e o seu poder misterioso. Não ser só possível parar o tempo mas ficar marcado com essa verdade fascinante pela menina princesa do Ganges que desta forma resolveu patrocinar a vida neste momento.
No princípio é a viagem
A tensão da primeira etapa
Depois do conhecimento
Depois do peso das pedras
Das feridas
O azul marca o início
Faz recuar a ansiedade
Estar aqui
É a inspiração
Para alcançar a meta
Preparar as asas e o corpo
Mostrar a verdadeira força
O orgulho
Nunca desistir
Nunca mais voltar a ser assim
Continuar
Sem parar
Derrotar a infelicidade
Merecer sempre mais
Conseguir
Estar pronto
Avançar
No início provar a dor
Continuar
Sem parar
Corrige as coordenadas
Com a ajuda do elemento azul
Merecer sempre mais
Lembrar para sempre
Prosseguir
Fazer brilhar a escuridão
Batendo as asas
Com orgulho
Sobrevoar o Ganges
Iluminado
Neste momento
5 de Maio de 2011
A rede desfez-se em nebulosas. Ainda não existem ligações suficientes para que a corrente se possa estabelecer. Contamos contigo nesta viagem. Ajudar-te-emos no que for necessário até que as asas tenham força, até que a vontade decida convenientemente. O corpo em crescimento, a mente em crescimento, a sede em alcançar o destino desejado nas areias infinitas de todos os desertos. Ao voar pelas dunas, pelos vermelhos e pelos ocres do nascer do dia, o rapaz-pássaro relembra o rio sagrado que deixou para trás. Aqui, neste momento em que as areias são o mar salgado, em que o sol carrega no corpo o peso gigantesco da fome, do calor que escalda. A vontade de desistir começa a fazer-se sentir como nunca antes. A solidão colou-se à viagem e ao viajante e também ele sente o seu peso. A companhia das garças é uma miragem e só um verdadeiro herói poderá sair vitorioso da jornada que o levará até ao outro lado do deserto. Nas novas cores do jogo, do desafio, misturaram-se tonalidades doces como a cereja, o pêssego, beringela ou a cor de terra seca, de terra ressequida, onde a água não cai faz séculos, onde a vida se esqueceu de existir, onde as sombras se entretêm com a luz do dia para fugirem de tudo só ao escutar o nome do lugar maldito. Por aqui o caminho é pesado. As lâminas vão massacrando o corpo franzino do rapaz-pássaro. Caem violentamente do sol escaldante neste chão seco e gretado onde a única vida que se descobre é o bailado longínquo, rectilíneo da sombra projectada do rapaz-pássaro naquelas páginas quentes e virgens do deserto infinito. O compromisso não pode ser quebrado, não agora com a viagem tão no seu início. Este momento, esta partida, não pode ser esquecida. É importante demais para que tal aconteça. A mente, o corpo e o espírito andarão de mãos dadas. A razão será encontrada ao longo da viagem. A verdade e a razão habitam no mesmo espaço escondido, na mesma delicada coordenada. Com a mesma voz te reconhecerão, com a mesma voz te chamarão e enviarão para as labaredas a falsidade, a mentira e a solidão. Nunca ousarás questionar a voz que te ensina o caminho. Através dela aproximar-te-ás de quem és, de quem desejas ser. Como um mistério te ajudará a mudares o destino, te ajudará na procura de quem és, de quem desejas deixar para trás, de quem desejas encontrar na tua ilha. As chamas desejam acabar com esses elementos hoje mesmo, se possível. Desejam crescer, alimentar-se desses vilões e aumentar em tamanho e com orgulho as chamas quentes. As pernas perderam a noção de caminhar. Os pés sararam depois de tanto voar, os joelhos voltaram a sentir orgulho do tronco a que pertencem. De chagas saradas, de olhar renovado, o deserto e a distância vão sendo derrotados, engolidos dia-a-dia, noite após noite, calor insuportável após calor insuportável, escuridão gelada e inóspita após escuridão gelada e inóspita. Tudo, tudo feito sem desistências.
O momento em que o deserto se abriu
Uma fachada de areia
A duna maldita
Que como
Que bebo
Que sobrevoo
A luz da aurora que semeia sombras
No pátio vazio escaldante
Onde nem o diabo se atreve
Voas livre mais este dia
Mais esta noite
Caminhas sem ligar ao medo
Pensas e voas e rastejas
Sozinho
Como um poema por decifrar
As areias revoltam-se
Cospem achas e cinzas e faúlhas
Tapam-te as asas
E sopras
Sopras com quanta força encontras
Nos pulmões cansados
Pelo calor pelo sufoco da viagem
Do voo
De pássaro ferido
Perdido na ilha
Num momento
No exacto momento
em que o deserto se abriu
.
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