sábado, 30 de abril de 2011

MOMENTOS 2


30 de Abril de 2011


Na rotina das monções a vida desaba dos céus em forma de água. Empresta à natureza a opção mais milagrosa. Os problemas são lavados, purificados com a ajuda das montanhas gigantes que fornecem à terra ressequida o necessário maná. As mentiras desaparecem, os sentimentos renascem como se nunca tivessem acontecido. As frustrações e as conversas, as discussões e agonias, as ofensas, todas desaparecem embrulhadas na força contínua das chuvas, das tempestades, dos pesados trovões e na luz branca dos trovões. Quem tudo tenta remendar como faz a natureza na rotina das monções, cai no erro. Essa perspectiva risonha não explica a consistência, não explica as negações e muito menos as incertezas. Ninguém necessita desse tipo de ajuda. Seria demasiado fácil se as coisas se pudessem consertar desta forma tão simples. A natureza faz o que faz quando e sempre que o deseja. A natureza sabe muito bem o que quer. Confunde com todas as diferenças e não presta contas a nada nem a ninguém.

Uma natureza insegura de olhos rasos de água como uma donzela que não escolheu os melhores caminhos, como o amor juvenil, como o início das grandes batalhas, como todos os minutos importantes que se passam em meditação, em pensamento profundo com o que de mais sagrado existe em nós. Suspender a licença desta natureza atormentada que tudo pretende. Não existe maneira de escolher sem comprometer.

A princesa de olhos negros, menina sagrada do Ganges, menina de treze anos, anciã de setenta e cinco, esperou tempo demais pelas respostas. Semeia as marcas azuis, encobre as marcas azuis, descobre as marcas azuis nos iluminados vales abertos da paisagem sedenta. Essa é a sua missão improvável.

O cofre encontra-se bem guardado. A princesa fecha os olhos para tentar decifrar onde a natureza recolhe os frutos do seu trabalho para deleite próprio. As portas voltaram-se a fechar para a menina princesa do Ganges. Sem que uma única vez o sorriso deixasse de embelezar-lhe o rosto voltou a apontar para a lua indicando o caminho ao rapaz-pássaro. Na cabeça do menino voador não lhe saem da memória as garças elegantes e foi com tristeza que recordou o último passeio pelas nuvens, pelo meio das amigas com quem mal conversou. Hipnotizado pelo poder imaculado que as suas asas lhe providenciaram, esqueceu-se de honrar o poder da amizade como deveria.

Ontem a chuva deu tréguas e desistiu por um dia da missão sagrada das monções. A menina sagrada do Ganges resolveu aproveitar a abertura providenciada pela mãe natureza e acompanhou em segredo as passadas do menino voador. Vigiou-o como se fosse seu e com uma pétala de paz escondida no regaço ofereceu a si própria este presente.

O dia, a tarde e a noite passaram tão depressa como o vento, a recordação ou mesmo a surpresa. Neste dia não se choraram mortes, não se festejaram nascimentos, não se promoveram encontros nem desencontros, guerras e casamentos foram adiados. A menina princesa do Ganges fez uso do poder secreto da marca sagrada e, invisível, colou-a no braço do rapaz pássaro por debaixo do manto branco formado pelas gigantescas asas que flutuavam livres pelo céu.

Neste dia o tempo parou e tudo permaneceu suspenso, tranquilo, imóvel, menos as vontades dos dois. Por um dia único e misterioso o rapaz-pássaro passeou por um planeta feito de estátuas doces e salgadas, feito de fruta, de mel e açafrão, feito de espuma, de doces e de águas salgadas, feito de esperança, de sorrisos e compaixão.


Escapar

Numa liberdade improvável

Pelo centro do precipício

Na procura do segredo

.

Invisível

A menina princesa do Ganges

Observa

Escuta

Porque hoje não existem as mentiras

Não existem os proveitos

Só o dia sagrado

Em que o tempo foi parado

Pela improvável

Sagrada marca azul

que misteriosa

congelou mais um

momento

.

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